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Local: Rio de Janeiro, RJ, Brazil

Sou a prima mais velha de uma turma de 32 primas! Gosto de rir e de fazer rir. Adoro conversar, mas principalmente de ouvir. Beber Mate, vinho e Martini. Ver filme aos sabados com os amigos. Sou fiel aos meus sentimentos e respeito os dos outros. E de escrever, é lógico!

quarta-feira, maio 23, 2012

Dracena

Na aldeia, no pé da montanha, conta-se a lenda de que desde menina ela  soube que lhe faltava algo. Por isso lia sem parar, era curiosa, perguntava tudo até se sentir satisfeita. Mas não se sentia! Professores fugiam dela pelos corredores. Colegas nerds se escondiam atrás dos livros.
Na adolescência se tornou rata de biblioteca dando cansaço às bibliotecárias! Seu cartão foi substituído várias vezes por falta de espaço. Mudou de religião como quem troca de roupa. Podia-se vê-la com cabeça raspada e vestindo túnica numa semana e na outra discursando sobre a Bíblia ou se dizendo Wicca. Fez parte de vários partidos políticos, participou de passeatas, liderou grêmios. Tentou fazer faculdade de veterinária, designer, teologia, cinema e geologia. Não se formou em nada!
Resolveu escrever contos, mas antes rascunhou algumas histórias infantis, que deixou de lado. Passou para o suspense e quis defender uma tese: “A vida sexual dos macacos do Himalaia sucumbindo aos progressos vindos com as ferrovias” – mas abandonou a idéia por não se interessar por transportes.
Trabalhou na recepção de um cemitério para entender melhor o comportamento das famílias que perdiam entes queridos, só ficou algumas semanas, por concluir que a falsidade era o principal elemento durante as cerimônias. Depois resolveu se aventurar como assistente de cozinha de um grande restaurante de comida tailandesa, não deu certo. Foi também lustradora de talheres de prata, acompanhante de cachorros, manicure, treinadora de cavalos num circo, repositora de lâmpadas de postes em estradas.
Um dia resolveu que conheceria o mundo, pegou a mochila, jogou nas costas e foi.
Visitou cidades ricas, circulou por bares, igrejas, praias e escolas. Conheceu gente esnobe, humilde, pés no chão, ricos e miseráveis. Conversou com sábios e gente que não tinha nada a dizer. Com crianças, donas de casa, pastores e músicos. Viu grandes animais, soltos e enjaulados, curiosos e domésticos, mortos de fome e vestidos como gente. Comeu boa comida, quente e saudável, mas também gafanhotos, folhas e sopas ralas. Dormiu em lençóis de seda e de algodão, em colchão de palha e sob a chuva, ao luar e na praia, no frio do deserto e no gelo das montanhas. Usou roupas grossas de couro mastigados por gente, tangas, rendas e jeans surrado. Nadou em rios ao lado de botos e em mares sob o olhar de baleias.
Um dia de tanto andar e por se sentir cansada e velha, sentou-se. Olhou ao redor e  se viu num platô, no alto de uma montanha coberta de capim rasteiro, onde o vento cantava cortante. Dali podia-se ver, lá embaixo no vale, uma pequena aldeia. Ao longe um rio seguia como uma imensa cobra. No céu, o sol se punha pálido e uma única estrela começava a brilhar. Ela ficou assim parada, quase sem respirar absorvendo o momento. Seu peito foi se enchendo de uma grande satisfação, como se finalmente entendesse o significado de todas as coisas. E quanto mais a emoção crescia, mas o peito precisava de ar. Ela então inspirou o máximo que pode e sentiu o peito se abrir. Seu corpo rasgou-se como um casulo que se abre para o nascimento de uma borboleta. Suas pernas transformaram-se e ela pode ver sua pele transformando-se. De suas costas grandes asas surgiram e ela pode enfim soltar o grande grito, liberando bolas de fogo! Nesse instante ela se lembrou do imenso dragão que vivia dentro de seu corpo. Lembrou-se que fora um ovo eclodindo numa caverna nos primórdios dos tempos, das perseguições, das caças, das guerras, do extermínio de seus semelhantes, dos pedidos aos deuses pela sua sobrevivência, de seu coração puro, da mística metamorfose, da constante insatisfação por não se encaixar em nenhuma sociedade, mas que agora estava livre para viver no alto da montanha, bem perto do céu, com todas as suas dúvidas respondidas, com todas as lembranças de séculos revividas, com todos os aprendizados de mistérios revelados. Agora ela era o que sempre fora: uma Dracena! Uma dragã-fêmea! A última de sua espécie!


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