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Sou a prima mais velha de uma turma de 32 primas! Gosto de rir e de fazer rir. Adoro conversar, mas principalmente de ouvir. Beber Mate, vinho e Martini. Ver filme aos sabados com os amigos. Sou fiel aos meus sentimentos e respeito os dos outros. E de escrever, é lógico!

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Falta de Atenção

O mal é a falta de atenção

Amiga falando do irmão com quem divide um apartamento:

“Ai, não sei o que fazer. Meu irmão é uma pessoa boa, linda, incrível, tolerante, generosa, etc etc. Mas não lava a louça! Sai da mesa e deixa a louça toda lá, como se ela fosse magicamente se lavar sozinha, e quem tem que lavar tudo sou eu!”


Mas não acredito em gente boa e generosa que não lava a louça.
Não cometer genocídio é facil
No nosso dia a dia, não temos muitas oportunidades práticas de ativamente não-estuprar, não-roubar, não-torturar, não-cometer-genocídio, etc.
Não-matar não é uma daquelas decisões conscientes que tomo todos os dias e das quais posso (ou não) me orgulhar – assim como, digamos, ir malhar ou não repetir o prato são duas decisões que tomo todos os dias a um custo pessoal considerável.
Ou seja, não posso me considerar bom somente porque nunca matei, roubei, mutilei, joguei judeus no forno ou comprei escravos em Luanda.
Do mesmo modo, nada é mais fácil do que ser bom (e generoso e justo e honesto e até heroico!) naquelas dramáticas situações hipotéticas do futuro que nunca acontecerão:
Sim, se minha avózinha precisar de um rim… eu dou! Sim, se eu estivesse em uma naufrágio, só entraria no bote depois de todas as criancinhas estarem acomodadas! Sim, se você engravidar por estarmos transando sem preservativo por insistência minha, eu assumo a filho! Agora, vamos, vamos, abre essas pernas, vai!
Ser bom é não humilhar o garçom.
Quando sair com alguém, ignore a maneira como ela te trata (afinal, vocês são amigos, namorados, colegas, iguais, etc) mas preste atenção em como ela trata as pessoas (que acha que estão) abaixo dela.
A moça que se abre toda em decotes e gentilezas para você e quase unha os olhos da garçonete que derrubou o café não é uma pessoa boa; ela é uma pessoa que quer dar.
O moço que se pavoneia todo pra se mostrar másculo e elegante, mas quase dá porrada no garçom que derrubou o café não é uma pessoa boa; ele é uma pessoa que quer te comer.
Na melhor das hipóteses, é uma pessoa boa à beira de um ataque de nervos, o que na prática dá na mesma.
A facada dói igual.
O mal é a falta de empatia
Não sou religioso. Não acredito em metafísica.
O mal existe apenas como um comportamento humano. O mal é um contínuo de ações no qual podemos nos mover de um extremo a outro e, até mesmo, sair.
O mal é a falta de empatia. O mal são os olhos cegos e os ouvidos moucos. O mal é a desatenção e o auto-centramento. O mal é aquilo que sinceramente não te ocorre, que realmente não enxergou, que jura que não ouviu, que não sabe como foi esquecer.
O que é um batedor de carteiras comparado ao honesto pai de família que não enxerga nada a sua volta? Que não vê sua esposa insatisfeita e desesperada, seus filhos confusos e autodestrutivos, seu sócio abrindo a garrafa de uísque cada vez mais cedo?
O mal não é puxar a Anne Frank do sótão: o mal é cruzar todo dia pelo seu porteiro com o braço engessado e nunca perguntar, nunca se preocupar, nunca nem reparar.
O mal não é ser dono de uma fazenda com duzentos escravos: o mal é ser contra uma nova estação do metrô porque vai destruir as arvorezinhas da sua praça e nunca te ocorrer das centenas de milhares de trabalhadores que não têm carro, passam horas e horas em ônibus e terão suas vidas significativamente melhoradas por uma nova estação.
O mal não é a Estrela da Morte explodir Aldebarã: o mal é você relaxar do seu longo dia de trabalho curtindo um filme, depois de um belo jantar feito pela sua irmã, e nunca lhe passar pela cabeça que ela teve um dia igualmente longo de trabalho, ainda por cima fez o jantar e agora está sozinha tirando a mesa e lavando a louça, e ainda perdendo a chance de ver o filme!

O mal é a falta de atenção
Você, já na defensiva ao ler um texto tão moralista, responde:

“Perdão, eu sou tão distraído, estou com a cabeça cheia de coisa, não lembrei mesmo…”

Mas a “distração” que te faz esquecer não é o que te justifica, entende? É o que te condena!
Você não é uma pessoa boa que tem péssima memória e é muito distraída. Sua péssima memória e sua extrema distração são sintomas de seu profundo desinteresse por tudo que não diga respeito a você.
Duvido que esqueça os nomes dos vice-presidentes da empresa que vão decidir sua próxima promoção. Duvido que esqueça o endereço daquela loira gostosa que te deu mole na praia.
Você esquece é de lavar louça (“puxa, fiquei aqui distraído do filme, esqueci totalmente da louça, agora ela já lavou, amanhã ajudo!”). Você esquece é de assinar o livro de ouro dos porteiros (“putz, com essa correria de natal, nem lembrei, mas tudo bem, ano que vem dou em dobro!”).
É muito fácil nos absolvermos. Em nossa cabeça, somos sempre os protagonistas do filme da nossa vida. Tudo o que fazemos é sempre justificado.
Se dirigimos perigosamente e alguém nos xinga, ainda nos achamos no direito de ficar chateados ou revoltados:
“Porra, ele não vê que estou com pressa? Respeito as leis do trânsito todo dia, mas hoje tenho aquela reunião importantíssima!”
Não interessa o que seja: ou fizemos o certo (e o mundo tem que ver reconhecer e nos premiar, senão é muita injustiça) ou fizemos o errado, mas por um motivo totalmente válido (e o mundo tem que reconhecer e nos entender, senão é muita injustiça).
O que estou propondo é o oposto: qualquer comportamento seu que precise ser justificado ou racionalizado já está por definição errado.
Mais ainda: talvez você não seja uma pessoa boa.
Já pensou nisso?

Então, o que é ser bom?
Um exemplo.
Lavar metade da louça junto com a sua irmã (pois lhe seria intolerável sentar pra ver um filme sabendo que ela está lavando toda a louça sozinha) significa sim perder cinco minutos do filme, mas você não conseguiria viver consigo mesmo sendo o tipo de pessoa que não faria isso.
(Aliás, bróder mesmo é quem vai na minha casa e lava a louça. O resto é visita.)
Porém, o exemplo acima não é um exemplo de “ser bom”, mas simplesmente de “não ser escroto” – duas coisas radicalmente diferentes.
Parte do problema é esse: estamos tão pouco acostumados a fazer o que tem que ser feito que ficamos até orgulhosos.
Parece até que lavar a louça ou ir malhar na academia são grandes conquistas. Que não são coisas que fazemos para nós mesmos, para cuidar de nosso corpo e de nosso espaço.
Ser bom não é somente limpar o próprio cu. Isso apenas te impede de incomodar os outros com seu cheiro de merda.
Talvez fosse o caso de derrubar tudo
Minha ex-mulher é de uma pequena e próspera cidade no interior da Amazônia. Veio morar comigo no Rio e se deparou, pela primeira vez, com a população de rua em nossas calçadas.
Nunca amei tanto minha ex-esposa quanto naqueles momentos em que a mera visão de uma criança de rua já era o suficiente para levá-la às lágrimas.
Sabe por quê? Porque é.
Imagine qualquer criança que você conhece naquela mesma situação e você vai imediatamente entender o horror.
Com o tempo, para não enlouquecer, para poder funcionar como ser humano, minha ex-esposa foi criando a mesma couraça de insensibilidade social que quase todos os cariocas e paulistanos já trazem do berço.
É uma educação do olhar: você se treina para não ver, para não se importar, para não se horrorizar.
Hoje, tento desmontar minha couraça.
Se precisamos ser monstros insensíveis para funcionar em sociedade, talvez essa sociedade é que não devesse funcionar.
Talvez fosse o caso de derrubar e fazer outra.

O que vocês vão fazer com essas palavras
Algumas pessoas leem textos como esse e ficam indignados. Pensam que me considero melhor que eles. Que me acho santo. Que estou lhes dizendo o que fazer.
Não percebem que o dedo que aponto é na direção da minha própria cara. Quem precisa lavar mais a louça sou eu.
Do alto do meu galopante egocentrismo, estou sempre escrevendo só pra mim. Repetindo as coisas que eu preciso ouvir. Tentando me tornar menos pior.
Mas, na verdade, que importa se sou um santo ou um hipócrita? Um cagador de regras ou um vaidoso egoísta? Faz diferença?
Sou irrelevante.
Já minhas palavras, essas podem ser relevantes ou não, dependendo de quem as lê e do que fazem com ela.
Eu sou um fingidor, mas vocês não precisam ser.
O mal não é uma condição imanente, existencial, metafísica. O mal é um comportamento.

Então, basta começar a lavar a louça. Um dia de cada vez.

(Gostei tanto que copiei do http://papodehomem.com.br/o-mal-e-a-falta-de-atencao/ por Alex Castro)



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