Cegos
Quando ela chegou na pequena cidade muita gente não entendeu como uma moça cega podia ser tão cheia de vida! Ela ficara cega aos oito anos ao levar um tombo. Diferente das outras pessoas ela não se revoltara contra Deus pelo acontecido, mas agradecia pelos anos em que pode enxergar e conhecer as cores, as flores, o mar, as aves. Podia ser pior, ela dizia, podia ter nascido cega e nunca ter apreciado nada disso. Assim ela cresceu, estudou Braile, se formou e foi ser professora. Só dependia de sua bengala branca a quem deu o nome de Matilde. Ela e Matilde eram vista andando pra cima e pra baixo por todas as ruas do bairro. Andava decidida e rápido com Matilde em uma das mãos e o livros na outra. Na calçadas, passava e cumprimentava a todos que encontrava pelo caminho. Diziam que ela reconhecia as pessoas pelo cheiro! Ela achava isso divertido.
Um dia recebeu um convite para dar aulas na pequena cidade no interior do estado. E ela aceitou!
Uma tarde caminhando pelos jardins da praça esbarrou em alguém e seus livros caíram de seus braços. O homem pediu desculpas e começou a recolhe-los enquanto a moça ria da própria falta de atenção e ainda
colocava a culpa em Matilde. O homem assustado olhava ao redor procurando a tal Matilde, com medo de tê-la empurrado para o meio do jardim ou no lago.
Com essa confusão a moça ainda riu mais alto e mostrou quem era Matilde. Só aí ele percebeu que ela era cega e tentou guiá-la até um banco. A moça aceitou o gesto gentil mesmo sem precisar dele.
Bem instalada no banco ela pediu que ele se sentasse um pouco para conversarem. Ela sentiu que ele estava nervoso com o ocorrido e queria acalmá-lo. Ele quis saber o por quê de tantos livros. Ela rapidamente contou sua história e disse que estava voltando da escola depois de várias horas de aulas com as crianças e adolescentes com problemas visuais. Ele abriu um dos livros em Braile e quis saber qual era o título. Ela respondeu que era "O velho e o Mar" de Hemingway. Ele não conhecia a história e ela lhe explicou se tratar de um pescador em luta com um peixe, mas que na verdade era sobre a superação, pela luta pela sobrevivência, pela perseverança. Então, sem aviso, ela começou a ler o livro: "Era um velho que pescava sozinho num esquife..."Assim começou a amizade entre eles dois.
Todas as tardes após a aula, eles se encontravam no banco do jardim para ela ler pra ele. Assim que terminaram o primeiro livro, começaram outro.
Numa dessas tardes, após a leitura, ela perguntou ao homem se ela poderia vê-lo melhor. Ele estranhou e mais uma vez ela deu a risada encantadora e disse que ela simplesmente queria passar as mãos em seu rosto para
senti-lo. Era dessa maneira que ela "via" as pessoas.
Ele se sentiu constrangido pois se achava feio e velho e sua barba estava por fazer. Mas não resistiu àquele pedido e deixou que aquelas mãos passeassem por seu rosto.
Primeiro ela ficou em silencio, depois soltou a frase: "Como você é bonito!"
No mesmo instante ele se levantou e saiu em disparada, deixando-a atordoada.
Ao chegar em casa ele parou diante do espelho do banheiro e enquanto as lágrimas corriam ele se perguntava a quanto tempo não sentia a mão de uma mulher em seu rosto e quando fora a última vez que ouvira que era bonito. Provavelmente só sua mãe havia dito isso. E já se passara muitos anos desde que era um menino e ouvia esse elogio. Depois disso a vida havia sido cruel e dura para ele. Seu pai morrera cedo e logo ele teve que sair para trabalhar. Estudara pouco, não tivera tempo nem para amar uma mulher. Quando sua mãe morreu ele já passava dos cinqüenta anos e se sentia um velho. Era isso o que ele era: um velho!
Durante duas semanas ela esperou por ele no banco do jardim e ele não apareceu! O que ela não sabia era que ele sempre estivera próximo, olhando-a do outro lado do lago.
Uma tarde ele resolveu sentar-se novamente ao lado dela e pediu desculpas pelo comportamento. Ela respondeu que não tivera intensão de assustá-lo ou de desrespeitá-lo. Continuou dizendo que o que ela vira era o rosto de um homem forte, sofrido, triste até, mas era o rosto de um homem bom e por isso era um rosto bonito. Novamente ele se emocionou mas logo se recompôs e quis saber qual livro ela tinha para ler.
Num desses encontros, logo que ele chegou, percebeu que ela estava preocupada e quis saber o que acontecia. Ela contou que ainda menina sua mãe a colocara numa lista de espera para um transplante de córnea e que
agora havia recebido uma carta avisando que ela havia sido escolhida para a cirurgia. Ele então, não entendeu o motivo da preocupação, já que era uma ótima notícia. Ela explicou que tinha medo de se desiludir. E se ela se
enchesse de esperanças e a operação não tivesse um bom resultado? Era melhor continuar do jeito que estava, ela já se acostumara com a escuridão, que não tinha medo, que sabia viver dessa maneira, etc. etc. Ele então
abraçou-a e lhe convenceu das maravilhas que ela ainda podia ver e viver. Que se Deus havia lhe dado essa oportunidade não era para ela desperdiçar. Mas enquanto falava, suas lágrimas corriam, sabendo que se ela voltasse a enxergar, seu sonho daquelas tardes havia terminado, mas ele era um homem bom e sabia que isso era o melhor pra ela. E assim ela foi para a capital fazer a cirurgia.
Enquanto esperava notícias ele se sentia dividido em seus pensamentos e sofria. Queria ficar feliz por ela, mas sabia que o bom resultado traria pra ele a solidão novamente.
Por três meses ele se sentou no banco do jardim.
Uma tarde, uma jovem veio a seu encontro e se apresentou como amiga da professora. Ela viera informar que a cirurgia havia sido um sucesso, que ela voltara a enxergar, que logo estaria de volta e que gostaria de encontrá-lo ali mesmo no jardim.
O desespero tomou conta dos seus pensamentos. Ele não sabia o que fazer e como agir. Andava pelas ruas sem direção e sem prestar atenção nas pessoas. Precisava de ajuda.
O barbeiro era o que mais se aproximava de um amigo, resolveu então contar o que estava acontecendo e pedir ajuda. O profissional era um bom homem também e o ouviu com atenção. Ao final de toda história, o barbeiro, que o considerava um amigo, o aconselhou a ir até a moça, que seria uma indelicadeza deixá-la esperando, que uma amizade tão bonita não devia terminar por causa de diferença de idade, etc... Mas a tudo ele retrucava dizendo ser um velho, que já passar dos sessenta anos, que ele a assustaria, etc... Nessas alturas, a barbearia já estava cheia e todos os outros homens já opinavam sobre o assunto, mas todos a favor de que ele não deveria desperdiçar essa chance que a vida estava lhe dando de compartilhar bons momentos com uma moça tão gentil. E, ele foi convencido!
Para melhorar a aparência o barbeiro lhe deu de presente um corte de cabelo e raspou-lhe a barba. Todos concordaram que ele rejuvenescera uns dez anos.
Alguns minutos antes do horário dos encontros ele já se encontrava sentado no banco do jardim a espera da moça. Trazia nas mãos um livro de presente embrulhado em papel brilhante com um laço de fita vermelho. "O Velho e o Mar" era o presente. De longe ele a viu caminhando sem Matilde. Foi emocionante vê-la assim.
Ela veio, sentou-se na outra ponta do banco, passou os dedos pelo relógio ainda em Braile, olhou ao redor e abriu um livro.
Ele ficou olhando-a, sem saber o que fazer. Ela não reparara nele e ele foi se sentindo ridículo e velho. As lágrimas vieram aos olhos. Ele sentiu vontade de se levantar e ir embora, mas resolveu continuar ali, ao lado
dela, pois seria a última vez que a veria.
Quanto mais o tempo passava, mais ele se sentia diminuído. Como ousara pensar que ela o reconheceria? com certeza ela o imaginara jovem e altivo e agora ele estava ali, ao lado dela, um velho!
Uma hora e meia se passou e o sol começou a se pôr. Ela, então, deu um suspiro, fechou o livro, olhou novamente ao redor e conferiu as horas. Ele a viu se levantar. Antes de sair do lugar ela se virou para ele e lhe
perguntou as horas, "acho que meu relógio está atrasado" completou.
Ele a olhou nos olhos e respondeu: "Dezessete e trinta, senhorita"
Ela agradeceu baixinho e saiu caminhando.
De repente, parou! Com os olhos fechados ficou farejando o ar e, ainda de costas disse:
- Você era muito mais bonito de barba...
Um dia recebeu um convite para dar aulas na pequena cidade no interior do estado. E ela aceitou!
Uma tarde caminhando pelos jardins da praça esbarrou em alguém e seus livros caíram de seus braços. O homem pediu desculpas e começou a recolhe-los enquanto a moça ria da própria falta de atenção e ainda
colocava a culpa em Matilde. O homem assustado olhava ao redor procurando a tal Matilde, com medo de tê-la empurrado para o meio do jardim ou no lago.
Com essa confusão a moça ainda riu mais alto e mostrou quem era Matilde. Só aí ele percebeu que ela era cega e tentou guiá-la até um banco. A moça aceitou o gesto gentil mesmo sem precisar dele.
Bem instalada no banco ela pediu que ele se sentasse um pouco para conversarem. Ela sentiu que ele estava nervoso com o ocorrido e queria acalmá-lo. Ele quis saber o por quê de tantos livros. Ela rapidamente contou sua história e disse que estava voltando da escola depois de várias horas de aulas com as crianças e adolescentes com problemas visuais. Ele abriu um dos livros em Braile e quis saber qual era o título. Ela respondeu que era "O velho e o Mar" de Hemingway. Ele não conhecia a história e ela lhe explicou se tratar de um pescador em luta com um peixe, mas que na verdade era sobre a superação, pela luta pela sobrevivência, pela perseverança. Então, sem aviso, ela começou a ler o livro: "Era um velho que pescava sozinho num esquife..."Assim começou a amizade entre eles dois.
Todas as tardes após a aula, eles se encontravam no banco do jardim para ela ler pra ele. Assim que terminaram o primeiro livro, começaram outro.
Numa dessas tardes, após a leitura, ela perguntou ao homem se ela poderia vê-lo melhor. Ele estranhou e mais uma vez ela deu a risada encantadora e disse que ela simplesmente queria passar as mãos em seu rosto para
senti-lo. Era dessa maneira que ela "via" as pessoas.
Ele se sentiu constrangido pois se achava feio e velho e sua barba estava por fazer. Mas não resistiu àquele pedido e deixou que aquelas mãos passeassem por seu rosto.
Primeiro ela ficou em silencio, depois soltou a frase: "Como você é bonito!"
No mesmo instante ele se levantou e saiu em disparada, deixando-a atordoada.
Ao chegar em casa ele parou diante do espelho do banheiro e enquanto as lágrimas corriam ele se perguntava a quanto tempo não sentia a mão de uma mulher em seu rosto e quando fora a última vez que ouvira que era bonito. Provavelmente só sua mãe havia dito isso. E já se passara muitos anos desde que era um menino e ouvia esse elogio. Depois disso a vida havia sido cruel e dura para ele. Seu pai morrera cedo e logo ele teve que sair para trabalhar. Estudara pouco, não tivera tempo nem para amar uma mulher. Quando sua mãe morreu ele já passava dos cinqüenta anos e se sentia um velho. Era isso o que ele era: um velho!
Durante duas semanas ela esperou por ele no banco do jardim e ele não apareceu! O que ela não sabia era que ele sempre estivera próximo, olhando-a do outro lado do lago.
Uma tarde ele resolveu sentar-se novamente ao lado dela e pediu desculpas pelo comportamento. Ela respondeu que não tivera intensão de assustá-lo ou de desrespeitá-lo. Continuou dizendo que o que ela vira era o rosto de um homem forte, sofrido, triste até, mas era o rosto de um homem bom e por isso era um rosto bonito. Novamente ele se emocionou mas logo se recompôs e quis saber qual livro ela tinha para ler.
Num desses encontros, logo que ele chegou, percebeu que ela estava preocupada e quis saber o que acontecia. Ela contou que ainda menina sua mãe a colocara numa lista de espera para um transplante de córnea e que
agora havia recebido uma carta avisando que ela havia sido escolhida para a cirurgia. Ele então, não entendeu o motivo da preocupação, já que era uma ótima notícia. Ela explicou que tinha medo de se desiludir. E se ela se
enchesse de esperanças e a operação não tivesse um bom resultado? Era melhor continuar do jeito que estava, ela já se acostumara com a escuridão, que não tinha medo, que sabia viver dessa maneira, etc. etc. Ele então
abraçou-a e lhe convenceu das maravilhas que ela ainda podia ver e viver. Que se Deus havia lhe dado essa oportunidade não era para ela desperdiçar. Mas enquanto falava, suas lágrimas corriam, sabendo que se ela voltasse a enxergar, seu sonho daquelas tardes havia terminado, mas ele era um homem bom e sabia que isso era o melhor pra ela. E assim ela foi para a capital fazer a cirurgia.
Enquanto esperava notícias ele se sentia dividido em seus pensamentos e sofria. Queria ficar feliz por ela, mas sabia que o bom resultado traria pra ele a solidão novamente.
Por três meses ele se sentou no banco do jardim.
Uma tarde, uma jovem veio a seu encontro e se apresentou como amiga da professora. Ela viera informar que a cirurgia havia sido um sucesso, que ela voltara a enxergar, que logo estaria de volta e que gostaria de encontrá-lo ali mesmo no jardim.
O desespero tomou conta dos seus pensamentos. Ele não sabia o que fazer e como agir. Andava pelas ruas sem direção e sem prestar atenção nas pessoas. Precisava de ajuda.
O barbeiro era o que mais se aproximava de um amigo, resolveu então contar o que estava acontecendo e pedir ajuda. O profissional era um bom homem também e o ouviu com atenção. Ao final de toda história, o barbeiro, que o considerava um amigo, o aconselhou a ir até a moça, que seria uma indelicadeza deixá-la esperando, que uma amizade tão bonita não devia terminar por causa de diferença de idade, etc... Mas a tudo ele retrucava dizendo ser um velho, que já passar dos sessenta anos, que ele a assustaria, etc... Nessas alturas, a barbearia já estava cheia e todos os outros homens já opinavam sobre o assunto, mas todos a favor de que ele não deveria desperdiçar essa chance que a vida estava lhe dando de compartilhar bons momentos com uma moça tão gentil. E, ele foi convencido!
Para melhorar a aparência o barbeiro lhe deu de presente um corte de cabelo e raspou-lhe a barba. Todos concordaram que ele rejuvenescera uns dez anos.
Alguns minutos antes do horário dos encontros ele já se encontrava sentado no banco do jardim a espera da moça. Trazia nas mãos um livro de presente embrulhado em papel brilhante com um laço de fita vermelho. "O Velho e o Mar" era o presente. De longe ele a viu caminhando sem Matilde. Foi emocionante vê-la assim.
Ela veio, sentou-se na outra ponta do banco, passou os dedos pelo relógio ainda em Braile, olhou ao redor e abriu um livro.
Ele ficou olhando-a, sem saber o que fazer. Ela não reparara nele e ele foi se sentindo ridículo e velho. As lágrimas vieram aos olhos. Ele sentiu vontade de se levantar e ir embora, mas resolveu continuar ali, ao lado
dela, pois seria a última vez que a veria.
Quanto mais o tempo passava, mais ele se sentia diminuído. Como ousara pensar que ela o reconheceria? com certeza ela o imaginara jovem e altivo e agora ele estava ali, ao lado dela, um velho!
Uma hora e meia se passou e o sol começou a se pôr. Ela, então, deu um suspiro, fechou o livro, olhou novamente ao redor e conferiu as horas. Ele a viu se levantar. Antes de sair do lugar ela se virou para ele e lhe
perguntou as horas, "acho que meu relógio está atrasado" completou.
Ele a olhou nos olhos e respondeu: "Dezessete e trinta, senhorita"
Ela agradeceu baixinho e saiu caminhando.
De repente, parou! Com os olhos fechados ficou farejando o ar e, ainda de costas disse:
- Você era muito mais bonito de barba...
1 Comentários:
Eu podia estar trabalhando, mas não, estou aqui babando. Belo.. Belo.
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