Estavam parados, cada um em uma esquina, sozinhos, após o guarda dispersar os curiosos após o acidente. A vítima já havia sido levada pela ambulância, mas os dois continuavam ali parados olhando o asfalto sujo de sangue. Do lado de lá ela disse que ninguém deveria se machucar na noite de Natal. Do lado de cá ele concordou. O rapaz a viu fitando o chão, atravessou a rua e foi até ela. "A noite de Natal é uma noite mágica e só coisas boas deveriam acontecer", ela disse. "O que mais me espanta nas criaturas é essa
facilidade de virar a página, de se agarrar a vida e seguir em frente", ele respondeu. Ela achou estranha a frase, mas não tinha como discordar. Gentilmente ele a tirou do lugar onde estava e começaram a caminhar pelo calçadão. A conversa surgiu facilmente. Ele se chamava Gabriel e ela, Serena. Ele estava admirado pois tudo o que ela dizia fazia sentido apesar de ser tão jovem. Falaram sobre o mar, sobre o tempo, sobre as pessoas. Ela lhe confessou que passear sozinha naquela noite era um presente que havia recebido. Ele sorriu e disse que também estava na mesma situação. Perto de um quiosque Gabriel quis saber se ela queria alguma coisa para beber: "Água!" ela disse sorrindo. Gabriel nunca tinha visto alguém beber um copo de água como realmente um líquido precioso, principalmente quando ela disse ao primeiro gole: "É doce!". Ele também bebeu sua água e repetiu: "É doce e fresca" E os dois riram dos próprios comentários. A moça perguntou se poderiam continuar o passeio pela areia. "Vamos tirar os sapatos" Serena disse isso já com os sapatos nas mãos e sorrindo para Gabriel correu em direção à praia. Seu riso invadia a noite como os cantos dos pássaros. "Sinta a areia nos seus pés, eu consigo sentir cada grão. Mesmo com esse calor, eles são frescos". Serena falava e enfiava os dedos dos pés na areia úmida. Uma gaivota passou voando perto deles e pousou mais adiante. Serena com admiração infantil correu até ela, que voou rápido para o céu. Gabriel sentou-se para admirá-la. A moça corria e seu cabelo ruivo e cacheado voava como as gaivotas. Serena veio até ele e o puxou pelo braço. "Venha! Vamos correr", ela pediu. E os dois correram pela areia como crianças. "Eu vou guardar essa noite para sempre" ela disse e completou: "Eu sempre quis correr pela praia". Gabriel olhando-a nos olhos respondeu: "Eu também" Os sinos da igreja chamavam os fieis para a Missa do Galo. Os dois olharam para o templo, sabendo que era a hora de cada um seguir seu caminho, mas antes decidiram ser amigos para sempre. E às vezes o pra sempre é infinito!
Despediram-se em frente a igreja, desejando um ao outro tudo o que o milagre do Natal pudesse oferecer. Olharam-se emocionados sabendo que os dois eram irmãos nesse universo.
Gabriel ficou parado alguns instantes vendo Serena na calçada. Resolveu entrar e não olhar para trás. Queria ter essa imagem na lembrança. Ele estava feliz por descobrir que ainda havia esperanças para a humanidade. Que existiam pessoas generosas, solidárias, ingênuas de coração. Ele entrou no templo sem olhar para trás.


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